Fernando Aranha treina esqui cross country no asfalto de um estacionamento em SP (Foto: Arquivo Pessoal)
Fernando conheceu o esqui cross country apenas no ano passado, quando procurava por exercícios que ajudassem na preparação dos esportes que já praticava. Longe de ser fã de musculação, queria uma atividade que desenvolvesse alguns dos movimentos que utiliza na natação, mas que fosse menos monótona do que as desempenhadas em uma academia. No campus da USP onde costuma treinar para as competições de triatlo, o paulista conheceu alguns atletas que, sem por restrições financeiras, improvisam e treinam esqui nórdico na rua.
O interesse de Fernando coincidiu com uma oportunidade. Tanto o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) quanto a Confederação Brasileira de Desportos na Neve (CBDN) buscavam atletas abertos ao desafio de representar o Brasil, pela primeira vez, nos Jogos Olímpicos de Inverno. Ele foi recrutado, assim como André Cintra, garantido na competição no snowboard.
- Eu os procurei com o intuito de saber mais sobre o trabalho com o bastão, que eu via como uma possibilidade para incrementar meus treinamentos de força, principalmente para a natação. Há um tempo, em uma conversa com o Fernando Fernandes (ex-BBB tetracampeão mundial de paracanoagem), comentei que, se fizesse um esporte de neve, seria o esqui cross country por ter esse trabalho de resistência, tempo de prova e sensibilidade que se parecem mais com o meu treinamento, já que eu não poderia ter provas conflitantes. Aparentemente ele citou meu nome em uma conversa com os comitês, e surgiu esta oportunidade. Para mim foi um monte de coincidências legais.
As primeiras lições na neve foram na Suécia, no
ano passado (Foto: Arquivo Pessoal)
O primeiro contato com a modalidade foi durante um camping com a equipe sueca de esqui cross country adaptado, em novembro de 2012, em Östersund. A estreia em competições ocorreu na Finlândia, e a parada mais recente para treinos na neve foi em Ushuaia, na Argentina. Como trabalha em uma produtora de vídeos e depende do apoio das confederações para custear os períodos de treino no exterior, Fernando improvisa entre os carros no estacionamento da USP.
Além da superfície, o paulista precisa modificar quase todo o material para a prática do esporte. Os bastões são os mesmos utilizados na neve, mas as pontas do objeto, que entram em contato com o solo, são mais resistentes. Para substituir o sit ski, Fernando adaptou sua cadeira de rodas. Ganhou maior segurança para os treinos em São Paulo, mas não consegue simular alguns dos desafios que enfrentaria em uma prova real. Em meio ao trânsito, os obstáculos são outros.
- A grande dificuldade técnica é poder treinar o controle nas descidas, já que o esqui desestabilizaria para todos os lados, enquanto tenho mais controle com minha cadeira. Nos os percursos de neve há uma área de escape que, por mais dura que seja, não rala. Esta é a forma mais próxima de simular os movimentos. Outro desafio é administrar o espaço com outros atletas, a entrada e saída de veículos no estacionamento. Já estamos meio acostumados a driblar os carros, mas com certeza não é tão seguro. Quem opta por praticar esporte outdoor corre o mesmo risco que triatletas e ciclistas que treinam na estrada.
Comitê Paralímpico se antecipa e dá vaga
Fernando (esq.) é multicampeão brasileiro no
ciclismo e no atletismo adaptado (Arquivo Pessoal)
Paraplégico desde os dois anos de idade em decorrência da poliomielite, Fernando começou a praticar esportes adaptados no internato para deficientes em que cresceu. A primeira experiência foi com o basquete em cadeira de rodas, que praticou por 10 anos. Quando teve que conciliar trabalho e estudo, partiu para o atletismo, já que a modalidade individual permitia maior flexibilidade de horários. Nas provas de rua, o resultado foi rápido e expressivo, com três títulos da maratona de São Paulo e cinco da São Silvestre.
A prática do ciclismo e do paratriatlo ampliaram a lista de conquistas de Fernando. Na bicicleta adaptada, ele possui oito títulos nacionais. Na prova combinada, é bicampeão brasileiro. Mas a experiência não foi suficiente para lhe permitir viver apenas do esporte. Com apoio apenas de uma academia de ginástica, ele só ganha maior suporte das confederações durante as viagens para competir.
- Para os custos relacionados às viagens, principalmente as internacionais, tenho tido apoio das confederações. Parece muito bom, mas é pouco porque é esporádico, porque, no dia a dia de treinos que eu preciso para ir bem nas provas, não tenho o respaldo. Isso me deixa um pouco balançado. Mas continuo trabalhando, faz parte. Acredito que não seja muito diferente da rotina de tantos outros atletas.
Fernando Aranha e Leandro Ribela, técnico que o ajuda no projeto de migração para a neve (Foto: CBDN)
Para ir a Sochi e disputar sua primeira edição das Olimpíadas, Fernando precisaria atingir a marca de 180 pontos exigido na classificação do cross country. Com 185 (quanto menos pontos, melhor o desempenho), ele chegou perto da vaga. Ele buscaria, no Canadá, no fim de novembro, o índice mais uma vez. Mas o Comitê Paralímpico internacional se antecipou e convidou o Brasil para a disputa. Aos 35 anos, ele recebeu o wild card por ser o principal nome do país na modalidade.
- É um momento histórico. Essa parceria bastante afinada fez o resultado aparecer. Então quero dar parabéns à CBDN, na figura do presidente Stefano Arnhold, e, principalmente, ao atletas André e Fernando. Parecia um sonho distante, mas agora se tornou realidade - disse o presidente do CPB, Andrew Parsons.