02 outubro 2016

Em algum lugar do meu passado

  De forma tímida, circulou a notícia um tanto quanto anônima acerca da recuperação dos arquivos do orkut.
  
  Soou como uma batida do gongo, pois eu precisava salvar algumas fotos minhas. No Orkut estavam guardadas as imagens de um período marcante, decisivo da minha vida.

 Os aniversários, as festas a mostrar como era a minha rotina, pouco antes da lesão, ainda me incomodam. Não devido a um exercício de como tudo poderia estar diferente, em como eu estaria a viver numa vida comum.

  Eu queria olhar para esses momentos sem hesitação, nem saudade. Porque durante muito tempo eu evitei olhar para tais registros. Nutria um receio de ser tragado pelo passado, estar colidido, de forma súbita e insistente, por uma maré de forte melancolia.
  
  Nada disso aconteceu. Foi colocada, mais uma vez, a estranha, rica e densa maneira que a vida tem de perpetuar a sua força. A ausência da movimentação plena, o fato de ficar três anos e meio na cadeira de rodas, passar para um andador depois, me reconfortou com outra coisa. Consegui obter um senso vigoroso do nosso poder de adaptação .
  
  A deficiência quando surge nos joga por um abismo. Essa força nossa, o movimento de adesão à luta por nossa plenitude e efetividade nasce de um grito. O berro não precisa acordar a vizinhança, tem que estar consolidado em nossas entranhas, para que toda carga que enfrentarmos futuramente se tornar mais suportável .

  Carregamos todos muitas cicatrizes invisíveis. A cadeira de rodas, o andador parecem sinalizar para muitos uma ferida sempre aberta.

  O ritual de rever as fotos do Orkut foi excelente. Muitas das pessoas que comigo estavam, a me abraçar nas fotos são tesouros mantidos no meu presente.

 Minha quilometragem de sentimentos vividos, fatos passados é outra. Ela não computa tanto a velocidade das distâncias percorridas, o meu medidor se atenta mais é para a verdade dos instantes.

 E foi bom cair, para depois conseguir levantar com mais força. Eu gosto de sorrir muito mais hoje. Com vinte e poucos anos eu me levava muito a sério. Raras as fotos onde apareço a sustentar um sorriso.

 Já não ouso cometer tamanha heresia. Nunca desperdiço a oportunidade dada por uma boa risada. Gargalhar é tão sagrado quanto o brinde.

 Sem querer, a partir de uma série de fotos e arquivos, foi executado um exorcismo. Limpar o sótão, tirar o mofo das gavetas aprisionadas por impressões cultivadas é válido.

  Sabe aquela ideia de flor nascida do asfalto?

  Pois, em tempos de primavera, quem sou eu de não dar voz, corpo a minha vocação de semeador?

  Os álbuns do meu futuro já têm outra cor. Tem mais nitidez para reforçar alguns tons.

  São quadros corajosos, onde os vermelhos se condensam a uma perspectiva de mundo esverdeada.

  Sigamos firmes, fortes na construção de um novo tempo.

  Um abraço para todos,


 André Nóbrega.


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