De forma tímida, circulou a notícia um tanto
quanto anônima acerca da recuperação dos arquivos do orkut.
Soou como uma batida do gongo, pois eu
precisava salvar algumas fotos minhas. No Orkut estavam guardadas as imagens de
um período marcante, decisivo da minha vida.
Os aniversários, as festas a mostrar como era a minha rotina, pouco antes da lesão, ainda me incomodam. Não devido a um exercício de como tudo poderia estar diferente, em como eu estaria a viver numa vida comum.
Eu queria olhar para esses momentos sem hesitação,
nem saudade. Porque durante muito tempo eu evitei olhar para tais registros.
Nutria um receio de ser tragado pelo passado, estar colidido, de forma súbita e
insistente, por uma maré de forte melancolia.
Nada disso aconteceu. Foi colocada, mais uma
vez, a estranha, rica e densa maneira que a vida tem de perpetuar a sua força.
A ausência da movimentação plena, o fato de ficar três anos e meio na cadeira de rodas, passar para um andador depois, me reconfortou com outra coisa. Consegui obter um senso vigoroso do nosso poder de adaptação .
A deficiência quando surge nos joga por um
abismo. Essa força nossa, o movimento de adesão à luta por nossa plenitude e
efetividade nasce de um grito. O berro não precisa acordar a vizinhança, tem
que estar consolidado em nossas entranhas, para que toda carga que enfrentarmos
futuramente se tornar mais suportável .
Carregamos todos muitas cicatrizes invisíveis.
A cadeira de rodas, o andador parecem sinalizar para muitos uma ferida sempre
aberta.
O ritual de rever as fotos do Orkut foi
excelente. Muitas das pessoas que comigo estavam, a me abraçar nas fotos são
tesouros mantidos no meu presente.
Minha quilometragem de sentimentos vividos,
fatos passados é outra. Ela não computa tanto a velocidade das distâncias percorridas,
o meu medidor se atenta mais é para a verdade dos instantes.
E foi bom cair, para depois conseguir levantar
com mais força. Eu gosto de sorrir muito mais hoje. Com vinte e poucos anos eu
me levava muito a sério. Raras as fotos onde apareço a sustentar um sorriso.
Já não ouso cometer tamanha heresia.
Nunca desperdiço a oportunidade dada por uma boa risada. Gargalhar é tão
sagrado quanto o brinde.
Sem querer, a partir de uma série de fotos e arquivos, foi executado um exorcismo. Limpar o sótão, tirar o mofo das gavetas
aprisionadas por impressões cultivadas é válido.
Sabe aquela ideia de flor nascida do asfalto?
Pois, em tempos de primavera, quem sou eu de
não dar voz, corpo a minha vocação de semeador?
Os álbuns do meu futuro já têm outra cor. Tem
mais nitidez para reforçar alguns tons.
São quadros corajosos, onde os vermelhos se
condensam a uma perspectiva de mundo esverdeada.
Sigamos firmes, fortes na construção de um
novo tempo.
Um abraço para todos,
André Nóbrega.