29 fevereiro 2016

A legião de curiosos indiscretos


-Como você ficou assim?
-É uma história longa,senhora.
-Mas você é tão novo.
-Para você ver...

O que dá o direito de pessoas que mal nos conhecem quererem saber disso?  Por que essa curiosidade mórbida,essa ação reiterada de pessoas estranhas ao nosso convívio de nos interpelarem,e quererem saber disso?

 E quem disse que eu respondo a tais indagações sem noção?A reposta é protocolar.Quando mando o ‘’é uma longa história’’,emito um tom raivoso.Faço uma cara de mal humorado,também.Desta maneira,impeço as benditas criaturas que me perguntam isso não persistirem,para depois,começarem a fazer um interrogatório.

 Mesmo assim,o encontro com gente sem noção é inevitável.

Certa vez,enquanto pegava um táxi,veio a clássica pergunta:

-Você ficou assim como?
-É uma história longa,nem vale à pena contá-la agora.
-Foi acidente de moto?
-Não,cara...
-De carro?
-Não,não foi...
-Na boa,pode falar,foi alguma mulher que deixou você assim?

Eu não sabia se ria,se mandava o cidadão ligar o rádio,no volume máximo.Também me bateu um alívio por não ter namorado nenhuma psicopata.

 Outro dialogo que me recordo,também feito com um taxista,foi este:

-Você precisa falar sobre isso,tem que falar com os outros sobre como ficou.Aí,você,pode inspirar as pessoas.
-Olha ,inspiração para as pessoas foi Jesus Cristo,Gandhi.Se você quer saber de histórias inspiradoras você pode assinar a Revista ‘’Seleções’’.Lá , você encontrará casos extraordinários de superação.

 Mesmo com alguma tensão no ar,o restante da viagem prosseguiu em silêncio.

Não temos a obrigação e sermos exemplo para ninguém.Muito menos, a de contar sobre a nossa deficiência sem que conheçamos bem quem nos pergunta.Existe uma legião de curiosos indiscretos.

  Para quem não nasceu com deficiência,ter que contar sobre as condições ,os detalhes ocorridos no momento em que adquirimos a nossa lesão,nem sempre é um exercício agradável para a nossa memória.

  Conto isso sem problema algum quando sinto haver uma preocupação comigo.Se vou criar laços novos,é indispensável relatar isso.Em tais casos,conto logo no início do contato firmado.

  Porque a minha deficiência não é o fator mais importante da minha vida.Ela não diz quem eu sou , ela apenas sinaliza,aponta algumas restrições com as quais preciso me defrontar.

  Gostaria muito que os outros prestassem mais atenção na minha roupa do que no meu andador.Porém,o senso comum a fixar o deficiente físico como um desvio da normalidade atrapalha.

  Mas,vida que segue.

Um abraço para todos,


André Nóbrega.


22 fevereiro 2016

Empatia é quase amor

  
  Empatia: substantivo feminino. Ação de se colocar no lugar de outra pessoa, buscando agir ou pensar da forma como ela pensaria ou agiria nas mesmas circunstâncias. Pode ser a aptidão para se identificar com o outro, sentindo o que ele sente, desejando o que ele deseja, aprendendo da maneira como ele aprende.

     A mostra sensorial ‘’Diálogo no Escuro’’ dimensiona o significado da palavra empatia, e muito melhor do que qualquer verbete de dicionário. Antes, contudo, me responda de maneira sincera: você gostaria de saber como a deficiência visual atinge as pessoas?

 Talvez, você, ao pensar no tema,ressalte as informações gerais, comuns ao tema.Mesmo que tais pensamentos estejam fixados a um desfile de lugares comuns.Tais como aquela máxima,a afirmar que todo o cego é dotado por uma superaudição .Isso vale para o Stevie Wonder,com certeza funcionou para o Ray Charles.Tenho cá minhas dúvidas sobre a aplicabilidade disso de forma unânime,vinculada como verdade para todos que passem pelo problema.

  Acho que a necessidade de adaptação seja inerente a alguém com essa deficiência. Aí sim, seja indispensável apurar o sentido da audição .Muitas vezes, isso nos é passado como um poder mágico. Acreditar nisso dá um tom de uniformidade rasteira para a questão. E quando aceitamos essas conceitualizações de meia tigela,nós ficamos distantes das peculiaridades do tema.

   Ao invés de repetir um clichê, por que não deixarmos a experiência modificar o acúmulo das formulações teóricas inconsistentes?Que tal deixarmos a empatia reformular as percepções acumuladas sobre o tema?

  O que a mostra ‘’Diálogo no Escuro’’ propõe é justamente isso. Nela, você será guiado por ambientes sem nenhuma iluminação, e tendo como guia um deficiente visual.

    Imagino a abrangência da iniciativa. Uma ação potente, capaz de nos tirar da zona de conforto, e passar pela experiência, pelo menos por alguns momentos,de como se dá a percepção de uma pessoa com referências singulares,bem diferentes das nossas. Quais os mecanismos usados por alguém que não enxerga usa  para perceber a vida?

   Essa empreitada louvável acontece no Rio de Janeiro, no Museu Histórico Nacional, e em São Paulo, no Centro de Cultura Judaica.

   Nos tempos onde todo e qualquer registro precise da tutela do selfie para provar a sua legitimidade, mostras assim possuem um caráter pedagógico, também.Porque desconstrói a lógica de São Tomás de Aquino, a afirmar que é necessário ver para crer.

  Quando somos mais jovens, ficamos mais suscetíveis a afirmação de que aquilo que é essencial é invisível aos olhos.Com o passar do tempo,a crueza das experiências,deixamos de acreditar no enredo de histórias como a narrada no livro ‘’O Pequeno Príncipe’’.

  Endurecemos sim, em decorrência das circunstâncias com as quais nos deparamos.Por isso mesmo,devemos validar o propósito de ações como essa,capazes de nos fixarem um conceito de empatia sem a leitura de um manual.

    Com ‘’Diálogo no Escuro’’,além do bem-vindo auxílio da pessoa encarregada de lhe acompanhar,a emoção será o seu guia.

   Imagina como a visita deve ser transformadora?

  Um abraço para todos,


  André Nóbrega.


15 fevereiro 2016

O clube da luta

   
 Havia na Rede Sarah uma espécie de terapia em grupo,o GIP.Nela,os pacientes em tratamento tinham um espaço aberto para expor várias situações,inúmeros problemas com os quais a pessoa com deficiência passava.Ainda iniciante em relação ao problema neurológico que me acidentou,naquele tempo, o GIP me preencheu.

  O grupo de apoio tinha as suas ações conduzidas por uma pedagoga,e uma psicóloga.Foi uma chave para abrir a porta do ativismo pela acessibilidade,a inclusão da pessoa com deficiência.Porém,o GIP foi circunstancial por outro motivo.Através dele pude entrar em contato com vários colegas ,que partilhavam a mesma dor com a qual convivia .

  A lesão quando aparece limita tudo em nossa vida.A maneira como vivíamos antes precisa ser alterada.As limitações, de tão radicais,nos assustam.Sabe uma maneira de podemos dar prosseguimento a nossa trajetória?É conviver com gente que passou por situações parecidas com as nossas.

  As sessões no GIP muitas vezes funcionavam como um exorcismo.Os embates eram frequentes,pois,embora a questão da deficiência fosse o denominador comum ali,as percepções de cada um eram colocadas em choque.

   São muitos os tipos de lesão existentes;difícil de  prever a maneira como cada um reagirá ao problema, mas é reparadora a sensação de pertencimento causada pela nossa luta.
  
  Embora saudoso do GIP,tenho orgulho de ter participado daquelas reuniões.Creio que a Rede Sarah plantou muitas sementes com a empreitada.Porque no Brasil inteiro os filhos do GIP  continuam perseverantes,e atentos à causa.

 Mesmo assim,não seria interessante investir em centros de apoio psicológico para as pessoas com deficiência?Nada muito complexo.Seria um núcleo voltado para as questões a nos afligirem.Porque existem alguns problemas que somente quem é deficiente pode compreender.

 Não precisaria ser algo suntuoso.Primeiro,juntaríamos um grupo de amigos com deficiência.Depois,definiríamos a casa de alguém para abrigar as reuniões.E não é obrigatória a necessidade de haver uma sede oficial.Conforme as necessidades,circunstâncias,o local pode variar.É necessário estabelecer uma pauta,e claro,um tempo de duração dos encontros.

 Porque poder contar com lugares onde pudemos compartilhar nossos anseios,dúvidas e risadas seria transformador.Os alcoólicos anônimos ajudam a vida de muitas pessoas.Precisamos criar os nossos próprios grupos de auxílio.

Amigos e amigas de luta,vocês me ajudam a elaborar isso?

Um abraço para todos,


André Nóbrega.


10 fevereiro 2016

Pessoa com deficiência - Respeito é bom e todo mundo gosta.


Infelizmente não é difícil encontrar uma vaga de estacionamento destinada a pessoas com deficiência sendo utilizada por quem não tem o direito de usa-la e as vezes até veículos de autoridades são flagrados estacionados indevidamente nas vagas.
Neste vídeo mostramos alguns destes flagrantes como forma de alerta para as pessoas que independentemente do carro que esta utilizando as vagas indevidamente temos que fiscalizar e denunciar.

08 fevereiro 2016

Nenhum homem é uma ilha



  Amigos e amigas de luta,o espírito dos melhores carnavais me contagia.Brada no meu peito uma espécie de felicidade suprema.Sentimento raras vezes captado,mas que tenho como obrigação compartilhar com vocês.O que foi a Comissão de Frente da União da Ilha deste ano?

  Para quem não viu,é quase um dever cívico acompanhar as imagens.Não canso de acompanhar os vídeos do desfile.A cada repetição fica acrescida uma impressão nova a que mantinha antes.

  Quando vejo a Comissão de Frente da União da Ilha deste ano fico arrepiado,também me torno convicto da nossa força.Ontem,na avenida , constatei a poesia dos mestres da mais divina arte:a de transformar a queda em passo de dança.

 Se as palavras me faltam é porque elas agora são mero acessório.

 Com vocês,a histórica Comissão de Frente da União da Ilha:


 Um abraço para todos.


 André Nóbrega.



01 fevereiro 2016

A folia inclusiva


 Que tal aderir ao clima de carnaval, e junto com o brado dos tamborins que irão chacoalhar pelas esquinas,a letra daquela marcha antiga da sua preferência,agora também celebrarmos uma das maiores vitórias recentes dos carnavais de rua? 

  Falo aqui da folia inclusiva,o movimento presente em vários estados do Brasil com a intenção de tornar o carnaval uma festa mais participativa.Não queremos ficar de fora dessa farra,precisamos entrar nessa roda também.

  E já tem gente pensando nisso,com iniciativas que trabalham bem a questão.Assim,podemos celebrar os merecidos dias de desvario com o cuidado,a atenção necessárias para enfiarmos o pé, a roda ou o andador na jaca.

  Você conhece o bloco ‘’Senta que eu empurro’’,que sai toda sexta-feira de carnaval,no Rio de Janeiro? Pois bem,meus amigos, no próximo dia cinco de fevereiro,às 18h começa a concentração do bloco,previsto para sair às 20h.O ponto de encontro é na rua Arthur Bernardes,no Catete.

  Estive no bloco em 2013 e 2014, e pude presenciar uma das mais revolucionárias formas de ativismo social.Não conheço transformação pessoal nenhuma que não dialogue com o afeto.Nenhum livro,manifesto ou passeata podem igualar o benefício trazido por um abraço bem dado,feito no momento em que precisamos diminuir a nossa proporção de rancor ,raiva e igualarmos a balança com uma maciça dose de calor humano.

   O nosso ativismo exige muito da gente.É indispensável nos mantermos vigilantes,atentos aos problemas,e estarmos comprometidos com a mudança.Diante de tantas dificuldades,com o número de situações que nos desfavorecem,acabamos por nos cultivar um gérmen  da desesperança.Raros são os momentos,as circunstâncias a nos agraciarem de forma plena.

   O carnaval inclusivo,geralmente apoiado por associações ,ONGS que lidam com a inclusão da pessoa com deficiência,coloca um outro olhar sobre a questão.O que me fez usufruir do bloco’’Senta que eu empurro’’é eu não ter me sentido o ‘’diferente’’ ali.

 De alguma forma,naquele dia,éramos todos iguais,de acordo com as particularidades,a riqueza das nossas diferenças.Ao meu lado , crianças com síndrome de Down me ofertavam uma daquelas raras e espetaculares manifestações genuínas de alegria.

  Havia nesse dia uma característica presente na sorte dos nossos melhores momentos.Imperava ali a condição fundamental da alegria,que fez com que as pessoas com deficiência visual,nanismo fossem portadoras apenas de uma característica : a capacidade de festejar a existência.

  Fica aqui a dica para quem quiser estiver no Rio de Janeiro e quiser se beneficiar dessa glória.

 Um viva para a folia inclusiva.

Salve o bloco’’Senta que eu empurro’’.

Um abraço para todos,


André Nóbrega.


Postagens mais visitadas