09 julho 2016

A ida na praia que me fez voltar a nascer



 Já havia acordado bem disposto, com o sono abraçado pelos benefícios de uma noite feita para o descanso. A súbita força adquirida incidia um novo humor a minha manhã. Estava fatalmente destinado a fazer algo grandioso naquele dia.

 Quando cheguei às ruas em nada importaram os buracos no chão.A cidade imperfeita,com a acessibilidade pouco planejada não ia conter o meu ímpeto.O desejo de realizar algo inédito era flagrante.

 Vinha uma vontade que conferia coragem e destemor aos movimentos conduzidos. O andador carimbava com o solo um novo abalo, pois os ecos das limitações sofridas, através de mais de sete anos de lesão, não me acompanhavam mais.

 Estava convicto de que deveria ir até a praia. Precisava sentir de novo a comunhão com a areia. Sendo um carioca criado a partir desse rito sagrado, acostumado a conviver com o mar, a ruptura com esse hábito teve o mesmo caráter  de uma violação.

 A experiência da praia, tal como ela era feita até os 30 anos era uma.Pude,através do magnífico projeto Praia Para Todos,ter um outro tipo de contato com a emoção do mar.

 No entanto, o que buscava neste dia diferia do conceito de banho de mar assistido. Amanhecido com uma disposição tão própria, certa quanto aos passos a serem dados, não havia espaço para preencher o tempo com dúvidas.

 Jamais havia tentado usar o andador em cima da areia. Sabia que qualquer manejo mal feito, giro realizado sem cuidado ali poderia resultar em algum tipo de lesão.Mesmo assim, me senti tocado,regido pela coragem, vinculado a um sentimento de proteção.

 Fui devagar com o meu andador por aquela massa fofa. Munido com cautela, levantava,depois,subia o andador.Era capital calcular a força,empreender um contato suave com o solo.

  A areia não era mais um obstáculo, ela voltou assumir a mesma característica de sempre. Por muito tempo a areia foi uma montanha gélida e distante. Era, sobretudo, a lembrança de um tempo feliz, de repente fechado para novas escaladas. Eu olhava para a praia com rancor, por ficar tanto tempo desvinculado da minha identidade.

O barraqueiro amigo ofereceu cadeira, apoio para eu puder me instalar. Pude brindar com mate leão o renascer de um novo tempo.

Por muitas vezes, me julguei incapaz de desfrutar sozinho de um instante assim,de novo.Mesmo tendo ficado parado na cadeira,sem mergulhar na água,a vista do horizonte,o burburinho das ondas a se debaterem no chão me preenchiam.

Enquanto agradecia a Deus por aquele instante, eu jurei também ir ao encontro de toda a proposta de vida capaz de me elevar.

Conquanto que o número de privações impostas seja absurdo, ainda que a quantidade de dificuldades continue elevada, eu jurei ali desenvolver uma atitude mais vibrante de vida.

A deficiência não pode ser maior que o nosso desejo, a nossa gana de preencher nossos caminhos.

Nesta semana, sozinho, eu cheguei pela primeira vez a areia da praia. A vontade de dar um mergulho no mar vai incentivar cada sessão de fisioterapia agora.

Porque quando navegamos pelos ventos das nossas escolhas,quando conduzimos o barco amparado pelo guia da nossa própria vontade, nós iremos atravessar as inevitáveis tormentas com outra resistência.

Sigamos assim, sempre ensolarados com as nossas pretensões.

Um abraço para todos,


André Nóbrega.


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