Já havia acordado bem disposto,
com o sono abraçado pelos benefícios de uma noite feita para o descanso. A
súbita força adquirida incidia um novo humor a minha manhã. Estava fatalmente
destinado a fazer algo grandioso naquele dia.
Quando cheguei às ruas em nada importaram os
buracos no chão.A cidade imperfeita,com a acessibilidade pouco planejada não ia
conter o meu ímpeto.O desejo de realizar algo inédito era flagrante.
Vinha uma vontade que conferia coragem e
destemor aos movimentos conduzidos. O andador carimbava com o solo um novo abalo,
pois os ecos das limitações sofridas, através de mais de sete anos de lesão, não
me acompanhavam mais.
Estava convicto de que deveria ir até a praia.
Precisava sentir de novo a comunhão com a areia. Sendo um carioca criado a
partir desse rito sagrado, acostumado a conviver com o mar, a ruptura com esse
hábito teve o mesmo caráter de uma
violação.
A experiência da praia, tal como ela era
feita até os 30 anos era uma.Pude,através do magnífico projeto Praia Para
Todos,ter um outro tipo de contato com a emoção do mar.
No entanto, o que buscava neste dia diferia do
conceito de banho de mar assistido. Amanhecido com uma disposição tão própria, certa
quanto aos passos a serem dados, não havia espaço para preencher o tempo com
dúvidas.
Jamais havia tentado usar o andador em cima
da areia. Sabia que qualquer manejo mal feito, giro realizado sem cuidado ali poderia
resultar em algum tipo de lesão.Mesmo assim, me senti tocado,regido pela
coragem, vinculado a um sentimento de proteção.
Fui devagar com o meu andador por aquela massa
fofa. Munido com cautela, levantava,depois,subia o andador.Era capital calcular
a força,empreender um contato suave com o solo.
A areia não era mais um obstáculo, ela voltou
assumir a mesma característica de sempre. Por muito tempo a areia foi uma
montanha gélida e distante. Era, sobretudo, a lembrança de um tempo feliz, de
repente fechado para novas escaladas. Eu olhava para a praia com rancor, por ficar
tanto tempo desvinculado da minha identidade.
O barraqueiro amigo ofereceu
cadeira, apoio para eu puder me instalar. Pude brindar com mate leão o renascer
de um novo tempo.
Por muitas vezes, me julguei
incapaz de desfrutar sozinho de um instante assim,de novo.Mesmo tendo ficado
parado na cadeira,sem mergulhar na água,a vista do horizonte,o burburinho das
ondas a se debaterem no chão me preenchiam.
Enquanto agradecia a Deus
por aquele instante, eu jurei também ir ao encontro de toda a proposta de vida
capaz de me elevar.
Conquanto que o número de
privações impostas seja absurdo, ainda que a quantidade de dificuldades continue
elevada, eu jurei ali desenvolver uma atitude mais vibrante de vida.
A deficiência não pode ser
maior que o nosso desejo, a nossa gana de preencher nossos caminhos.
Nesta semana, sozinho, eu cheguei
pela primeira vez a areia da praia. A vontade de dar um mergulho no mar vai
incentivar cada sessão de fisioterapia agora.
Porque quando navegamos
pelos ventos das nossas escolhas,quando conduzimos o barco amparado pelo guia
da nossa própria vontade, nós iremos atravessar as inevitáveis tormentas com
outra resistência.
Sigamos assim, sempre
ensolarados com as nossas pretensões.
Um abraço para todos,
André Nóbrega.
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