17 julho 2016

Nenhuma transformação surge sem alguns gestos kamikazes


 Estava eu, assim, numa tarde chuvosa, mal parado com a minha cadeira de rodas, bem numa rua do centro da cidade onde eu não conhecia muita coisa, mas cuja parca acessibilidade não me animava o espírito.
  
 Era tempos pré-uber,meus amigos,num momento da minha vida onde não estava ainda apto,com condições físicas a permitir a realização de muitas atividades.Mal sabia pilotar minha cadeira direito.Portanto,não conseguia pegar ônibus,muito menos circular por grandes trajetos.
  
  O círculo de programas sociais ficou restrito, os trabalhos os quais eu conseguia executar eram os famosos,alardeados como home office.Uma categorização chique,a esconder uma aguda restrição de possibilidades.
  
  Naquele dia, eu começava a entrar numa fase meio aventureira. Estava predisposto a fazer coisas perigosas para não ser massacrado pela rotina. Muito menos, queria ficar condicionado ao peso das lembranças do passado recente. De como tudo era antes da lesão.

  Tinha consciência do quanto se tornava urgente fundar outra existência.Nada do que havia vivido me servia mais.Assim seria por um tempo.

  Então,quando uma amiga minha me convidou para assistir a um show dela,abracei de imediato o convite.Sabia, de antemão, que por andar em uma área pouco conhecida, e com a ameaça de chuva, as calçadas poderiam ficar escorregadias, e alterar o controle da minha cadeira.

  Creio que nenhuma transformação surja sem alguns gestos kamikazes.A nossa primavera só poderá ser curtida depois do convívio com fundamentais invernos.
  
  A nossa independência, o grito de Ypiranga que quisermos dar, relativo a qualquer área, objetivo nosso, só poderá ser proclamado após cultivamos um senso de rebeldia.
  
  Porque se o ‘’não’’ passa a ser um requisito para várias das ações que vivemos, a força para revertemos tantos placares contrários vem de pequenas insurgências nossas,contra as determinações impostas pelas chances desiguais.
  
   O show da minha amiga foi ótimo. Detestei esperar tanto tempo para um táxi decidir me atender e resolver não me levar. Quando a chuva chegou, baixou desesperança, junto com a raiva por depender da boa vontade de taxistas malandros, um tanto quanto tendenciosos.

  Porém, após muita espera, ao chegar em casa,ficou um sabor de vitória.Porque,de alguma forma,encontrava ali um campo de germinação em favor do ‘’sim’’.

 Como cadeirante, foram 11 quedas, muitos sustos, e uma  certeza.Se eu ficasse no sofá de casa, num diálogo animado junto com as minhas paredes, eu estaria cerceado.Perderia muita da diversão, da parte louca, inesperada dos instantes oferecidos quando alimentamos uma saudável iniciativa de aventura.

 Sem saber como a calçada da próxima rua estará eu sigo, com o mesmo temperamento impetuoso.Somos delimitados pelas lesões, acorrentados por limites o tempo todo.

 Só saberemos onde poderemos chegar se o nosso atrevimento estiver desperto.Isso é uma tarefa sempre complicada e difícil.

 No entanto, existem tantas conquistas a serem obtidas. O nosso lugar nos pódios ainda vazios, mofados pela falta de oportunidades, aos poucos vai sendo ocupado.

 Porque viver a partir do gosto do risco,do improvável é também uma arte.Os atores, músicos, já sabem disso faz muito tempo.

 Não acredito muita na independência sustentada sem uma noção clara de ousadia, coragem para quebrar os limites impostos por nós mesmos.

 Para o castelo, a estrutura de sociedade justa e igualitária a ser feita, o cimento das nossas capacidades, talentos e atributos precisa estar reforçado.

Porque, como diria Caetano Veloso, na letra feita para a música ‘’Divino, maravilhoso’’, do Gilberto Gil:

‘’É preciso estar atento e forte, não tempos de temer a morte’’

Um abraço para todos,

André Nóbrega.


3 comentários:

  1. Texto positivo e encorajador. Uma boa atitude, o ambiente não deve nos afetar e sim, nós é que devemos fazê-lo, promovendo mudanças através da determinação e coragem. Você pode vencer as lutas diárias e fazer a diferença na vida dos outros com a sua experiência e vivência!
    Um abraço e parabéns pelo Blog. Bjs

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  2. Querido amigo André,

    Todos nós somos movidos a desafios, e estes tem diferentes parâmetros para cada um, fazem parte de nossas individualidades. A maneira como vc encara os seus é estimulantes para os nossos! Obrigada por compartilhar tais momentos. Grande abraço.

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  3. Eu ainda tenho medo de sair de casa e me machucar... http://euemdoismundos.blogspot.com.br/

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