17 fevereiro 2019

Não nos chame pela sigla, não nos julgue como objeto



            Não creio ser culpa, reflexo do politicamente correto. Fato é que predomina, digamos assim, um cuidado(para sermos elegantes), na hora da sociedade nos classificar. Afinal, sem rotular, taxar julgamentos rasos, imprecisos, como denominar aquilo que ousa, teima em fugir do padrão?
            Os desvios, as fixações neuróticas, com vias de estabelecer um modelo de conduta sexual, um pensamento político hegemônico, configuram uma vertente da psicanálise, da qual nem conheço muito, pela teoria. Contudo, os dez anos como deficiente permitem elencar algumas observações, comentários sobre tal tendência.
Essa ânsia incontida de não aceitação, de cravar um modelo reinante, quanto ao padrão físico ideal, o tom de pele, a raça. Qualquer um nasce com uma dádiva, um dom da vida, para revertermos as expectativas implantadas, em razão de um pensamento ocidental excludente, seletivo, secular e racista, por natureza.
Sendo branco, vindo de uma família com recursos, de fato, demorou a ter noção, ciência da perversidade desse sistema. Precisou uma lesão neurológica devastadora, na potência, força dos meus 30 anos, para entender algumas verdades fundamentais.
Dois anos depois disso, quando, graças a muita fisioterapia, esforço, decepções, dores, consegui ter forças para tocar a cadeira de rodas sozinho, na rua, me veio uma sensação devastadora: eu havia perdido o direito de ser reconhecido, chamado pelo nome.
Pouco importava ao outro se eu tinha formado em cinema, trabalhado como crítico de filmes, e sabia de cor o repertório do Molejo, É o tchan e do grupo Sorriso maroto. O aspecto, o contorno fundamental, para tantos olhares, passou a ser uma cadeira. E por um bom tempo deixei de ser André, sem a princípio saber muito o porquê disso.
As siglas também apresentam uma tonalidade canalha, um tanto quanto funesta. Ao reduzir as particularidades, talentos de alguém a um conjunto de letras, ocorre uma morte. São sepultados os traços do sujeito, em nome de uma categorização aceitável, crível quando para pesquisas de dados, acerca das características, tipos de deficiência. Em amostragem como o IBGE realizou, em 2010.
Além desse contexto, com certeza, no indicativo feito para as vagas de trabalho, os assentos nos transportes coletivos, cabe o uso da sigla. Para toda a sorte, ordem de direitos sociais por nós adquiridos. Com exceção disso, por que cair ainda na mesma malha fina, deste terreno pantanoso? Um hibrido, formado pela ausência de sensibilidade crônica, déficit de bom senso e espírito de porco mesmo. Vamos dar nome aos bois, suínos, burros e nos deixar livres da obrigação, dessa mania baixa em quererem nos reduzir.
A partir de agora, ao invés de cadeirante, pcd, portador de necessidade especial, pode tentar algo tão inovador, quanto essencial?
Nos chame pelo nome!!
Um abraço para todos.
André Nóbrega


Foto tirada pela querida, talentosa produtora cultural, atriz e música Natália Lebeis.

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