05 maio 2019

A falta que nos move

Para Yasmin Porto **
 

            Antes de mais nada, reconhecer o abismo a nos envolver. Saber olhar para o vazio, para as falhas latentes, evidentes em nossas vidas, sem nos acomodarmos. E isso não é tão fácil quanto aparenta.
            Por muitas vezes, em inúmeras ocasiões, após tantas promessas lançadas, ficamos asfixiados pelo impacto da realidade. Não contribuem as sinalizações do governo atual. Tanto no episódio a envolver a ameaça de extinção do CONADE, como na postura antidemocrática, cerceadora de direitos, sinalizada por nossa ministra Damares .
Não é um tempo fácil para os sonhadores, os artistas, os professores e quem ouse sinalizar opiniões contrárias, dissonantes ao ímpeto da nova ordem política. Uma era de destruição foi iniciada. O elogio à burrice é diário, estimulado a cada declaração presidencial.
Nenhum apego ao diálogo franco sendo estimulado. A vivência democrática esvaziada, num ambiente sem simpatia, convívio estabelecido com o contraditório. Mas sempre pode piorar.
 A nossa sociedade ególatra, pouco empática e ansiosa pode, num futuro próximo, ter o sonho de cowboy realizado. Os protótipos de John Wayne, Clint Eastwood podem dar vazão à própria ira, insensatez, e propagar a ilusão de faroeste tropical pelo país. Provavelmente as armas serão liberadas, o corte às universidades públicas está anunciado, enquanto o desmonte da atividade cinematográfica fica planejado. A estupidez venceu.
Para boa parte da sociedade, a camada das pessoas sem deficiência alguma, começa a ocorrer uma sinalização comum a todos nós. Própria ao quadro estratificado em nosso cotidiano, há muito tempo. Desde quando resolvemos encarar a vida. Sabemos habitar o planeta desigual das oportunidades, arar o solo infértil das chances, com uma teimosia, uma perseverança cega 
Seria muito melhor, bem mais confortável, caso reinasse um panorama, uma situação menos conflituosa. Pois eu ainda sonho com o dia, o tempo, no qual possamos andar pelas ruas despreocupados, sem medo de cair.
Entre derrotas, quedas, suspiros e vislumbres com um futuro melhor em nossas vidas, no exercício da nossa militância, aprendemos a conjugar certa habilidade. Sabemos fazer da falta uma força.
E em tempos de tempestade, insegurança, a sorte premia os bons navegadores. A nossa trajetória exige isso, estabelece, de antemão, a necessidade de desenvolvermos certa espécie de guia, bússola, para atravessar as turbulências.
Já colocado, sabido sobre a valência essencial de luta para existirmos. E que, de forma, situação nenhuma, pode nos enganar, seduzir a partir daquele aspecto, da falácia do pcd servir como exemplo de superação. Mesmo assim, necessário acrescentar um outro pensamento.
Na sinfonia múltipla de gestos, jeitos de comunicarmos ao universo soluções para nossos tipos de deficiência, conseguiremos alcançar a música certa? A sintonia comum, possível de ser absorvida por todos os nossos corpos e demandas?
Primeiro é preciso retomar o gosto pela conversa propositiva, de união. Superar dificuldades não chega a ser qualidade, é um requisito obrigatório para prosseguirmos. Em meio ao agito, a inclinação por retrocesso, permanecer fiel à causa, comprometido com a inclusão, será portanto remar contra a maré.
Fundamental uma reserva extraordinária de fôlego, a cota extra de paciência, para, mesmo com a ciência da desfaçatez, ainda computar avanços, ganhos para a causa.
O imã por trás de cada conquista, proveito, talvez venha da falta que nos move.
Um abraço para todos,
André Nóbrega.



2 comentários:

  1. Emocionante o seu texto André, um sopro de energia para tempos sombrios que vivemos. Parabéns por tamanha lucidez e por colocar os ingredientes necessários na nossa receita de luta.

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  2. Gladys Garcia10 maio, 2019 06:31

    Como sempre, texto lúcido e coerente. Muito bem escrito! Coração apertado, olhos marejados, refletindo sobre a atual situação de nosso país...me solidarizo com sua causa. Nosso povo está cego, surdo e burro. Mesmo assim, não podemos esmorecer, estou contigo nessa luta. Grande abraço.

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