28 abril 2019

E pra namorar, como fica?



        São inúmeros os esforços computados, as pautas, nos quais a luta pela inclusão é localizada. Seja qual for o enfoque, o ponto de vista privilegiado, haverá sempre uma carência enorme, um universo a ser preenchido, para a mínima realização dos nossos objetivos.
Por lidarmos com a falta, o abandono, nas situações mais básicas e elementares, o foco da nossa militância costuma ser abrangente . A solução para o que nos sangra depende sempre de um todo, espécie de ser indeterminado, que poderia ser um governo, um Estado com a preocupação de nos atender, de forma justa .
 Ao nos depararmos com um buraco, no meio de uma calçada, temos por instinto, pensamento imediato, apenas desviar, para garantir proteção. Não nos ocorre que o poder público, alguma iniciativa possa, de imediato, reparar aquela situação.
Por que, de certa maneira, os problemas a nos atingirem, ocorrem pela reconhecida falta de estrutura, planejamento do governo brasileiro a cumprir as suas funções mais elementares.
Circulação nas cidades falha, perspectiva de inclusão profissional prejudicada, por um mercado a nos olhar com distanciamento, incredulidade. Absoluta falta nos dispositivos culturais, nos cinemas, exposições em disponibilizar acesso universal. Com certeza, você pensou em outros itens, para continuar essa lista . Mas e pra namorar, como fica?
Numa sociedade a privilegiar o culto ao corpo, a estabelecer padrões insustentáveis de beleza, não ficaria uma pessoa com deficiência  em desvantagem, frente as possibilidades de paquera, encontros românticos a acontecerem, conforme o passar do tempo?
Saímos em condições diferentes, adversas, de uma pessoa comum, com certeza. Primeiro, pela falta de condições em desfrutarmos das festas, dos shows, numa forma razoável, tranquila e aprazível. Dificilmente, em tais momentos haverá uma acessibilidade mínima, aceitável, para podermos paquerar.
Nas noites, o olhar dirigido a alguém com deficiência costuma variar, muito. Vai de uma estranheza abusiva, um deboche total, a um sincero sorriso de admiração, não raro vindo por um pensamento: ’’caramba, no meio de tanta gente, num lugar cheio , difícil de circular, o cara vem aqui e se diverte?”.
É bastante complicado chegarmos num lugar assim, numa boate, sendo a única pessoa com deficiência presente ao recinto. A princípio, dá vergonha, inibição. Somos observados com um ímpeto julgador acima do normal, do razoável. Porém, o que pesa mais? O olhar de estranhos, ou a específica vontade sua, de conhecer outras pessoas, se divertir?
Lidar com uma deficiência é um processo de negociação interna constante. Implica em aceitar-se como diferente, assumir os ônus disso com uma sinceridade crua. E no final de tudo,talvez, tal recurso não seja de todo ruim. 
Fazer das suas peculiaridades uma assinatura, um jeito de se impor, frente a uma sociedade padronizada. Em dado momento, você não refuta tanto o que o torna diferente dos outros.
A coragem necessária para um cadeirante atravessar a rua não se assemelha, nem tem a ver, com o impulso tido ao iniciarmos um relacionamento. É menor, exige menos do que o despojamento em querer prosseguir, num namoro. Dar vazão e status de compromisso, para um flerte iniciado.
Perdi muitas chances de amar no exercício salgado, punitivo, incerto, de querer poupar a fulana das dificuldades, os entraves comuns a alguém na minha condição...Mas a mulher já não havia me escolhido? De certa forma, ter concedido, por um momento, a chance de percorrermos juntos os dissabores e alegrias de um possível ensaio de história?
Não sei, não foi dada a nenhuma delas essa chance de prosseguir.
Creio que dentre todas as dificuldades impostas pelo mundo, o meio a nos cercar, a maior seja a de nos aceitar . Maior coragem, sem dúvida, é a de apesar de tudo, com toda injustiça de oportunidades oferecidas, as condições desfavoráveis, ainda elegermos o amor como busca.
Com quarenta anos, solteiro, sem filhos, com os filtros da sensibilidade, da percepção, em plena atividade, eu quero crer cada vez nessa estrada do afeto. Apesar de muitas vezes a existência nos jogar pra baixo, com impedimentos, impossibilidades de êxito, nas construções de vida mais rudimentares.
Por que se não fugimos dos castigos impostos por algumas leis, nunca sairemos impunes, da palavra de certos poetas.
E Carlos Drummond de Andrade nos ensinou que: ‘’amar só se aprende amando’’.
Um abraço para todos,
André Nóbrega.



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