Um tombo pode ser
pedagógico.Cair da cadeira de rodas ,do andador, do trono que ocupamos por
ficarmos levitados pelo orgulho pode nos educar.A queda,desde que não nos
machuque,não traga um dano físico grave ,por vezes, nos ensina alguma coisa.
Foram 11 quedas com a cadeira de rodas.
Algumas se validaram como noções de como deveria me comportar ,sobreviver aos
tempos em que vivi como cadeirante.
Certa vez,enquanto era ajudado por duas
pessoas a descer uma escada,a cadeira escapuliu da mão do rapaz que me ajudava e soltou.Embora não tenha sido um choque sem grandes repercussões,a mesma pessoa
que deixou a cadeira cair,veio puxar o meu braço com uma força exagerada.O cara
quase me quebrou quando tentava me auxiliar...rsrs
Já quando fui ajudado a atravessar a rua por
um conhecido,conduzido para atravessar a rua com a cadeira de rodas tive outra
colisão.O choque produzido pelo bico da cadeira e o meio fio da rua me
arremessou na calçada.As pessoas vieram ao meu socorro como se tivesse capotado
de um caminhão caído de um desfiladeiro.Do tombo da escada ao choque na rua ficou uma lição.
Após a queda,depois de checar se havia me
machucado ou não,deveria também informar as pessoas ao redor que eu estava
bem.Se possível,contar até alguma piada infame,tal como esta:se eu caísse não teria problema
,pois do chão não passaria.Ou ainda dizer que se a Lei Seca me parasse poderia ser
autuado por direção perigosa,e ter a cadeira de rodas apreendida.Essa
estratégia se mostrou eficaz para muitos tombos.
Problema maior verifico nas vezes em que quase
caí.Nos momentos onde eu antevi uma queda.Foram situações de puro instinto e reflexo ,nas quais devido a
observação prévia da falha mecânica do andador, eu impedi um beijo com a
lona.Ou,para ser mais objetivo,nas vezes,nos instantes antes da roda do andador cair,ou de parte dele se espatifar no chão,e, assim,eu me livrar de um tombo.
Mas,peraí,se livrar de uma queda não é uma coisa boa?Deveria ser.Porque na minha cabeça teimosa acho mais
sólida a contundência de um não.
Cair,depois,na medida das nossas
possibilidades,tentar se levantar é uma condição da vida humana.Porém,ficar na
eminência do quase tombo é chato demais.
O quase tombo me afeta psicologicamente.A
pedagogia da queda fomentou boa parte dos meus anos pós lesão.Não
caio,mas,também,como o andador em tais circunstâncias fica inutilizado,eu não posso dar um passo adiante.Fico refém da sorte,carente da ajuda de terceiros e
obrigado a me acostumar por alguns momentos com a imobilidade.
No último mês vieram duas situações de quase
tombo.Sinceramente,não tenho a menor ideia de como lidar com isso.Ficar
encostado num muro,a me equilibrar e depois buscar uma solução não é o problema.O pior é a sensação de impotência,fraqueza que isso gera.
Afinal,com a qualidade desses equipamentos ,a
transitar por uma metrópole de péssima acessibilidade como o Rio de Janeiro,
será que haverá oportunidade de existir uma terceira quase queda???
Já fiquei um tempo só mexendo pescoço,três
anos e meio como cadeirante,e uso o andador faz algumas primaveras.Sempre lutei
contra o confinamento social.Busco na rua um complemento para validar a minha
experiência existencial.
Ao lado da solidão de ficar em casa,a prisão
do medo foram sempre fissuras capazes de me diminuir.O problema do quase tombo
é me tornar um refém do acaso,também contribuir para querer diminuir o meu
ímpeto pela vida.
Por isso,preferia a
queda.Daí, depois,era só prosseguir,mais receoso com certos cuidados.O quase
tombo me coloca diante de uma série de gravidades,tragédias que poderiam ter
acontecido caso a minha roda tivesse saído em um outro momento.Afinal,como
teria sido se eu não tivesse percebido isso antes de arrevessar a rua?
Odeio certas metades,os
pedaços de falta silenciosos,capazes de gerarem dúvida e alimentarem o vazio.
O maior sim da minha vida é
aquele que vem corroborar a luta pela inclusão da pessoa com deficiência.
Do resto,quase nada ficará.
Um abraço para todos.
André Nóbrega.
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