07 dezembro 2015

Das situações inusitadas.


  Nem só de relatos dramáticos vivemos. Se você usa , ou já utilizou a cadeira de rodas por algum tempo, já acumulou em sua biografia certas situações inusitadas .Infelizmente, o roteiro dos eventos aos quais somos obrigados a compor segue no dia a dia uma trajetória improvável .

 Os tombos que tomei no início da minha lesão foram angustiantes. Não me causaram nenhum dano físico, mas , seguramente, algumas quedas me apavoraram . O temor sentido quando assistia aos filmes da série ‘’Sexta-Feira Treze’’, e a ‘’A hora do pesadelo’’ foram acenos suaves quando comparados aos momentos onde saia de casa com a cadeira. E assim passei a desbravar as ruas sozinho.

 Com o passar do tempo deixei de ser tão ruim de roda. Então, manejar o meu batmóvel acessível passou a ser uma aventura .Incorporei uma vocação de Indiana Jones , a disposição de um Rock Balboa ao me defrontar com obstáculos .Pelo menos, assim pensava antes de sair de casa. Em muitas situações, dava preguiça de ser herói e chamava um táxi para chegar aos lugares. Porém, a rejeição sofrida , a falta de vontade dos taxistas era uma regra . Não tenho dados estatísticos avalizados por uma pesquisa oficial . Mesmo assim, de acordo com as minhas andanças,posso lhes garantir: dois em cada dez motoristas não paravam, passavam batidos , ignoravam a minha sinalização.

 Lembro bem dessa época. Nunca rezei tantos Aves Marias,Pais Nossos enquanto esperava por algum taxista generoso, com vocação humanitária e adepto da política da não violência consagrada por Mathama Gandi e Martin Luther King Jr. Demorava até alguém parar. E não dava nem para manifestar alegria, comoção diante do fato . Mal o carro parasse, não era incomum eu ser fulminado pela seguinte pérola, dita pelo motorista do táxi:’’A cadeira vai junto também?’’. 
  
  Lidar com a falta de noção das pessoas é uma ocorrência frequente,incorporada ao nosso cotidiano. Certa vez, enquanto entrava no ônibus , ouvi uma advertência mal criada, disparada por uma indignada senhorinha:’’Mas como deixam você sair sozinho?”  . A minha resposta veio na lata:’’Se a senhora consegue sair sozinha,por que eu não posso?’’. Pela cara feia dela feita existia em seu íntimo uma clara, manifesta vontade de iniciar uma discussão comigo. No entanto, por intromissão da providência divina , ela desceu no ponto seguinte.
  
  Não me esqueço da vez na qual penei para atravessar a minha cadeira em uma rua de Ipanema . Era um local pouco movimentado. Não poderia ,portanto ,contar com a ajuda de alguém que estivesse passando pelo lugar. Na verdade, havia apenas uma mulher naquele momento, meio longe de mim e que falava ao celular. Após atravessar a rua, subir o meio fio e ganhar a calçada, pude ouvir parte da conversa dela:’’Peraí, eu tava vendo um cadeirante atravessar’’.Sei lá, pode ser que, na infância ,a infeliz criatura não tenha frequentado circos. Porque eu me senti um palhaço no picadeiro.
  
  Não sou adepto da filosofia do ‘’rir para não chorar’’. Para muitas pessoas predomina uma intolerância com a diferença. E de acordo com tais seres para lá de evoluídos, tudo que escapa de uma noção de normalidade lhes indigna , e salta aos olhos.
  
  Ainda que a falta de acessibilidade das ruas não nos ofereça segurança, mesmo que nós tenhamos que nos deparar com gente sem o mínimo de bom senso, eu me recuso a mofar em casa. O apelo das ruas é irresistível , ir ao encontro de amigos , me deparar com momentos inusitados me faz lembrar o quanto a vida pode ser múltipla, diversificada e maravilhosa.
  
  Sim, pois nem só de encontros com pessoas destrambelhadas , em plena sintonia com os seus pensamentos preconceituosos nós vivemos. Tem muita gente bacana, muitos momentos marcantes a nos aguardar enquanto andamos pelas ruas. Mas ,se ficarmos no conforto do lar, perderemos tudo isso.

  Um abraço para todos !

  André Nóbrega.

  



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