28 dezembro 2015

Ser diferente é essencial

  Tal como um sistema de pesos e medidas, existe uma proporção entre a falta de acessibilidade nas ruas e as manifestações de solidariedade, apoio e estranheza que eu recebo e sinto nas pessoas. Sempre haverá a pedra portuguesa solta, colocada em nosso caminho. Isso me mantém ligado, e me obriga a sempre ficar alerta. Mas o que falar da reação de espanto que muitas pessoas têm ao nos verem na noite, curtindo uma festa, por exemplo?

   O andador movido por alguém relativamente novo (estou com 36 anos) é uma cena que ainda mexe com os outros. Com a cadeira de rodas, enquanto circulava sozinho, eu absorvia um painel de emoções pesadas dirigidas a mim. Eram olhares sufocantes de pena, daqueles que o desqualificam mesmo.

  Precisava estar atento aos buracos das ruas e surdo para certas insanidades ditas. Eram muitos os comentários abraçados com uma sentença absurda para a minha vida. Na visão desses iluminados, a cadeira de rodas seria uma espécie de cruz. Então, o meu tempo na terra seria conduzido por um sofrimento contínuo, a existência só poderia me levar a um inevitável abismo.

   Fala sério, nunca fui paciente, nem tolerante com quem apresenta miopia afetiva. Ou então, para os casos graves de cegueira intelectual, também conhecida popularmente como burrice.

   Do outro lado,quando eu menos esperava,fui acometido por manifestações de gentileza incomuns. Sabe a boa ação preservada pelo anonimato?O gesto realizado por um rosto estranho ao seu convívio, mas que tem o poder de lhe transmitir uma nova fé para a humanidade?
  
 Também fui coroado por situações assim. Uma vez, sem jeito, cansado de tocar a minha cadeira-sempre fui mais Rubinho Barrichello do que Ayrton Senna- no meio da rua, com o sinal prestes a abrir  , surgiu um senhor,que me conduziu ao outro lado da rua.
  
  Não satisfeito, ele ainda me perguntou se eu precisaria de ajuda para chegar em casa,se prontificou a parar um táxi para mim e me auxiliou a dobrar a cadeira de rodas, e a me acomodar com plena segurança. Somente depois de já estar seguro,dentro do táxi que o senhor prosseguiu com o seu caminho  .

  Como esquecer aquela moça bonita, nova,que ao me ver perdido no shopping veio falar comigo?Ela fez questão de me localizar, e me conduzir até o meu destino.Nossa,quantas saudades da solidariedade dela. Uma pena eu ter perdido o seu telefone.

 O privilégio de passar despercebido me foi tirado faz algum tempo.Para muitos, a deficiência física contraria a ordem,o senso comum dos movidos por verdades absolutas. A consciência obtida com alguns anos de deficiência é que cumpro uma função pedagógica.

 Os motoristas e trocadores das linhas de ônibus que pego com frequência sabem da minha condição. Vou demorar um pouco mais para subir, me acomodar para seguir viagem com segurança e tranquilidade. O que me felicita é que essa percepção, a consciência do tempo a mais necessário que eu tenho para subir para o ônibus poderá ser assimilada pelos motoristas e trocadores das linhas que utilizo mais. Desta forma, o mesmo cuidado, a mesma atenção será transferida para outra pessoa, com uma deficiência similar a minha.

 Enquanto a diferença não se tornar norma, nós seremos acolhidos como seres exóticos, excluídos do padrão que renega as diferenças e move as sociedades. Portanto, nada mais justo que ocupemos o nosso espaço, e não só ao fazermos valer os nossos direitos civis.

 Temos o dever de exercermos uma desobediência comportamental também. Ser deficiente é uma identidade, o que nos define não é a falta daquilo que não temos, mas sim a luta constante, diária a fim de sabermos até onde iremos.
  
O fato de a inclusão ser uma pauta nova preocupa o fato de ainda sentimos um senso de aventura presente às nossas ações mais simples. Andar na rua, ir ao banheiro dos restaurantes são coisas que nos complicam o viver,mas que não podem nos derrubar.

 A solidão, a falta de interação social é um castigo com o qual nós não devemos aceitar impunemente. Maior que o peso das adversidades deve ser a nossa firmeza em exercer uma cidadania plena.

Devagar, com suor, nós vamos evoluir e obtermos muitas vitórias.

Um bom final de ano para todos!


André Nóbrega. 


3 comentários:

  1. Poxa,legal seu blog André!
    Um bom final de ano e que neste ano de 2016,tu tenhas muitas conquistas.
    Um grande abraço,Júlio César Godinho!

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  2. Isso mesmo, André. Tem uma mensagem que li na internet que diz assim:
    Nós não devemos deixar as "incapacidades" das pessoas nos impossibilitem de reconhecer as suas habilidades.

    Siga em frente, sempre. Um grande abraço e um feliz ano novo!

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  3. Muito bacana André! Você eh um guerreiro e exemplo pra todos nós! Força sempre!!!

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