-Como você ficou assim?
-É uma história
longa,senhora.
-Mas você é tão novo.
-Para você ver...
O que dá o direito de
pessoas que mal nos conhecem quererem saber disso? Por que essa curiosidade mórbida,essa ação
reiterada de pessoas estranhas ao nosso convívio de nos interpelarem,e quererem saber
disso?
E quem disse que eu respondo a tais indagações
sem noção?A reposta é protocolar.Quando mando o ‘’é uma longa história’’,emito um tom raivoso.Faço
uma cara de mal humorado,também.Desta maneira,impeço as benditas criaturas que me perguntam isso não
persistirem,para depois,começarem a fazer um interrogatório.
Mesmo assim,o encontro com gente sem noção é
inevitável.
Certa vez,enquanto pegava um
táxi,veio a clássica pergunta:
-Você ficou assim como?
-É uma história longa,nem
vale à pena contá-la agora.
-Foi acidente de moto?
-Não,cara...
-De carro?
-Não,não foi...
-Na boa,pode falar,foi
alguma mulher que deixou você assim?
Eu não sabia se ria,se
mandava o cidadão ligar o rádio,no volume máximo.Também me bateu um alívio por
não ter namorado nenhuma psicopata.
Outro dialogo que me recordo,também feito com
um taxista,foi este:
-Você precisa falar sobre
isso,tem que falar com os outros sobre como ficou.Aí,você,pode inspirar as
pessoas.
-Olha ,inspiração para as
pessoas foi Jesus Cristo,Gandhi.Se você quer saber de histórias inspiradoras
você pode assinar a Revista ‘’Seleções’’.Lá , você encontrará casos
extraordinários de superação.
Mesmo com alguma tensão no ar,o restante da
viagem prosseguiu em silêncio.
Não temos a obrigação e
sermos exemplo para ninguém.Muito menos, a de contar sobre a nossa deficiência
sem que conheçamos bem quem nos pergunta.Existe uma legião de curiosos
indiscretos.
Para quem não nasceu com deficiência,ter que
contar sobre as condições ,os detalhes ocorridos no momento em que
adquirimos a nossa lesão,nem sempre é um exercício agradável para a nossa
memória.
Conto isso sem problema algum quando sinto
haver uma preocupação comigo.Se vou criar laços novos,é indispensável relatar
isso.Em tais casos,conto logo no início do contato firmado.
Porque a minha deficiência não é o fator mais
importante da minha vida.Ela não diz quem eu sou , ela apenas sinaliza,aponta
algumas restrições com as quais preciso me defrontar.
Gostaria muito que os outros prestassem mais
atenção na minha roupa do que no meu andador.Porém,o senso comum a fixar o
deficiente físico como um desvio da normalidade atrapalha.
Mas,vida que segue.
Um abraço para todos,
André Nóbrega.
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